quarta-feira, 16 de julho de 2008

Parte IX

- Vó, esse tal de Balconista é meio sem-noção, né não?

- Sem noção, Belinha? Por que?

- Ora, onde já se viu o fulaninho ir cobrar alguma coisa da rainha má sem NENHUMA arminha mágica sequer???? Tá doido? Ele tá se achando, né, Vó? Fala sério!

A avó riu do aparte da menina e pensou lá com os seus botões que tinha muita propriedade a observação dela.

- Belinha, você não tá com sono não, hein?

- Vó, com sono eu até tô. Mas dormir sem saber o tamanho da fria que esse besta desse Balconista metido vai entrar é que não dá, né?

- É, você tem razão. Vamos ver isso, então. - a avó reabriu o livro e continou de onde tinha parado.

"O castelo da rainha má se erguia imponente por sobre uma colina, bem diante da Floresta de LivinHood. Tinha o clássico fosso contornando as muralhas, onde se viam os clássicos crocodilos nadando plácida e ameaçadoramente, e a não menos clássica ponte levadiça presa com correntes. A entrada, ladeada pelos também clássicos guardas de armaduras com espadas na cintura e lanças longas nas mãos, levava ao interior do castelo. Mas será que levava mesmo? Parado a alguns metros de distância, o Jovem Balconista, semi-oculto por uma pedra, imaginava se teria que encontrar um jeito de passar pelos guardas ou se bastaria pedir para ser levado à presença da Soberana de Liviolândia. Bem, só saberia se tentasse.

Caminhando timidamente, alcançou a ponte e o ponto onde os guardas se encontravam perfilados.

- Quem vem lá? - o Guarda Um inquiriu com voz forte e intimidadora.

- A-a-apenas um súdito da so-soberaníssima de Liviolândia... - ele bem que tentou não gaguejar, mas estava meio difícil.

- E o que quer aqui, moleque? - o Guarda Dois reforçou a atitude belicosa do outro.

- Desejo u-uma au-audiência c-com a Rainha, se f-for possível...

Os guardas pareceram surpresos com a audácia do rapaz e se entreolharam. Bom, se o moleque tinha ido ali voluntariamente querendo falar com a fera cara a cara, não era culpa deles, era?

- Que seja, pode seguir em frente até a próxima guarita. Lá vão acompanhá-lo - disse o Guarda Um com cara de "lavo as minhas mãos".

O Jovem Balconista seguiu as instruções dos guardas e foi levado ao Salão Principal, onde a Rainha concedia audiências ao público. O Salão, muito amplo e ricamente decorado, era intimidador, assim como todo o resto. Ouro, tecidos finos e pedraria recobriam as paredes e os móveis. A iluminação ficava a cargo de tochas dispostas estrategicamente pelo salão, que faziam cintilar as pedras e os metais preciosos. O efeito era hipnótico e o rapaz acabou esquecendo um pouco de onde estava e do perigo que corria.

Nisso, o farfalhar de tecidos finos chamou a atenção do Jovem balconista. Era ela, a mulher da floresta. Ainda vestindo vermelho, caminhava lenta e deliberadamente pela sala, encarando o rapaz com ostensiva curiosidade. Pareceu uma eternidade até ela se sentar no trono e fazer um sinal para que o balconista se aproximasse, o qual, entre amedrontado e atraído, obedeceu.

- E então? - a voz da Rainha era baixa e suave.

- É...eu...Senhora...eu vim fa-fazer um pe-pedido, em no-nome de todos os s-súditos...

A Rainha arqueou uma sobrancelha e deu um sorriso zombeteiro. Só podia ser piada, aquilo.

- É mesmo? E o que seria esse pedido, meu jovem?

- S-senhora, os impo-postos estão mu-muito altos e...

A Rainha riu e pareceu perder todo o interesse na conversa. Já ia se levantando do trono, quando o jovem balconista disse, numa tentativa meio desajeitada de barganha:

- Eu estive de novo com a Dedéia, sabe, Senhora...

Ela parou, estreitou os olhos e fitou-o com uma calma enervante. Então, ficou de pé e caminhou até o rapazinho, dizendo:

- Ah, sim?...Que interessante...E suponho que você está me dizendo isso porque acha que o fato dela querer beijá-lo faz com que você valha alguma coisa pra mim?

Ele engoliu em seco. Ela não parecia nada amedrontada com a possibilidade dele beijar a bruxa e completar o feitiço. Em que ele não tinha pensado?"

- Ai, que burrooooo! - Belinha deu um tapa na testa. - Até EU que só tenho dez anos sei que a gente NÃO VAI em castelo de Rainha Malvada de mãos abanando!

- Belinha, acho que quem está ficando com sono sou eu, sabe... - a avó fez cara de quem estava de saco cheio de ser interrompida.

- Ô, vovózinha, eu prometo, ó - a menina cruzou os dedos e beijou duas vezes - que fico quietinha, mas eu TENHO que saber o que a Rainha Má vai fazer com o JBB!

- JBB? - a avó estranhou a nova sigla.

- É, vó! Jovem Balconista Burro!

E de novo a velha não aguentou e deu risada. Aquela Belinha tinha cada uma...

"Não dava tempo de mais nada. A Rainha sorriu docemente e fez um gesto com a mão direita. Sem saber direito como, o Jovem Balconista sentiu mãos ágeis e fortes pegando-o pelo pescoço e forçando-lhe um lenço úmido contra o rosto. A última coisa que ele sentiu foi um cheiro adocicado e uma tontura. Então tudo apagou.

A Rainha contemplou o rapazinho inerte no chão e sorriu como um gato que acaba de tomar um pires de leite. Estendeu a mão branca e cheia de anéis para o homem alto e forte, parado à sua frente, que a beijou com devotamento.

- Muito bem, Cícero...Leve o menino e venha encontrar-me em meus aposentos...Tenho novas ordens a lhe dar...

Assentindo, o homem saiu arrastando o Jovem Balconista. Qual seria seu destino?"

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