terça-feira, 24 de junho de 2008

Parte VII

- Roooooooooooooooooooonnnnnnnnnnc...!

A vovó foi surpreendida pelo ronco do filho, e assim, pôde perceber sua neta atônita.

- Ô, Belinha... Você está prestando atenção?
- Claro, vovó! To aqui encasquetada: oque é “genu..file..”?
-... “genuflexão”!
- E isso é coisa que se escreva num livro infantil? Que horror! Parece um palavrão!
- Rooooooooooooonnnnnnnnnc!

Elas riram do ronco alto do pai da menina e a vovó explicou:

- Genuflexão é o mesmo que dobrar o joelho, ajoelhar-se!
-Aaaaaaaaaaahhhhhh!!! E porque então o mané não escreveu isso? Porquê usar um palavrão? Caraaaaaaaca!!
- Beli...
- E “escármi?
- “Escárnio”!
- Isso aí... O quê é isso?
- ROOOOOOOOOOOOOOOONNNNNNNC!
- É o mesmo que zombar... zoar...
- Aaaaaaaaaaahhhhhhh... e porque esse m...
- Belinha! O autor é culto!
- Humpf!
- Veja que bacana... você aprendeu 2 palavras novas!
- ROOOOOOOOOOOOOOONNNNNNNCCCCC.C.C.C.C.C.

Belinha olha de lado pra avó e reclama:

- Vó, sabe quando eu vou usar esse “geno” e esse “escame”? Nunquinha!
- Tá bom, dona Belinha... agora vamos ver quem é a mulher que chegou e fez a Enid se ajoelhar?
- ROOOOOOOOOOOOOOOOOOOOONNNNNNNNCSSSSSSSSSSSS
- Só se a senhora colocar uma rolha na boca do papai!
- Então vamos pra minha cama?
- Eeeeeeeeeeeeeeeeeehhhhhhhh!!!

As duas foram pro quarto da avó, que cheirava à lavanda. Quentinho, gostoso, como todo quarto de avó deve ser. Descobriram a cama que estava com uma colcha de retalhos e a leitura recomeçou:

- E você, rapazinho, quem é?
- E-e-e-e-e-eeeeeu s-s-soouuu o-o-o-o Jo-jovem Ba-ba-ba...
- Babaca?
- Ba-balconista, senhora! – respondeu irritado.
- E tem nome?
- Te-tenho!
- Então diga logo e pára e babar e gaguejar! Arre!
- M-meu nome é muito complicado, então me chamam de Jovem Balconista mesmo. Eu estou ga-gaguejando porque quase beijei uma bruxa, e se não fosse a menina das orelhas pontudas, eu...
- O QUÊ?????? – a mulher se arrepiou toda e se aproximou rapidamente do rapaz. Ele estava tão distraído lembrando do momento em que quase que hipnotizado beijou a poderosa bruxa, que nem a viu chegar tão perto. Quando se deu por conta, ele sentia o hálito fresco e doce da mulher. Foi então que levantando os olhos, deu de encontro ao olhar furioso dela.
- Você quer me dizer que esteve com a Dedéia? – falou entredentes.
- N-não. Ela que esteve comigo, quer dizer, ela foi jogada de uma carruagem... e caiu aqui... nos meus pés... e tentou me beijar... e...
- E você não beijou, certo?
- Nãaaaaaoooo... cla-claaaaaaro que não... imagiiiiiiiinna...
- Acho bom! – ela disse aliviada e chegou a esboçar um sorriso, o que deixou o JB mais calmo.

Ele a viu virar as costas e seguir pelas folhagens. Foi embora como chegou. E nem disse um até logo, ou pelo menos, deu o telefone, o endereço. O JB ficou lá parado sem saber se realmente viveu tudo que aconteceu. “Ela é tão linda” ele pensou. “Tão pura, que hálito, que frescor, que poder...”

- Onde você vai, não vai precisar disto?

JB virou-se e deu de cara com a bruxa segurando seu machado.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Parte VI

A mocinha, que até então vinha tagarelando distraidamente, se deu conta de que falara um pouco demais. Fez cara de desentendida:

- Hein?

O jovem balconista, que podia não ser lá essas coisas em termos de bravura, mas era um verdadeiro mestre na arte de farejar fofocas e segredos, cruzou os braços e fez cara de poucos amigos:

- Você ouviu muito bem: eu perguntei como você sabe disso tudo. Por acaso você está mancomunada com a bruxa?

A mocinha das orelhas pontudas não conteve uma risadinha de escárnio.

- Eeeeu? E eu lá tenho cara de quem anda com bruxa fedida, meu filho?

- Pra mim você tem cara de qualquer coisa e de coisa nenhuma. Pode ir falando!

Ela abriu a boca para responder, mas não saiu nada. Os olhos se arregalaram um pouquinho e pareceu bastante assustada, enquanto olhava para além de onde o jovem balconista estava parado, cobrando respostas.

- O que foi? O gato comeu a sua língua? Que foi que...? - o jovem balconista virou-se, seguindo o olhar da garota e também acabou se calando, surpreso.

Parada a alguns metros de distância deles, uma mulher de olhar zombeteiro observava a conversa. Ela usava um longo vestido cor de carmim, adornado de dourado. Os cabelos, muito escuros, estavam presos no alto da cabeça, caindo numa cascata de cachos escuros até os ombros. Os dedos estavam cobertos de anéis de ouro, adornado com grandes pedras rubras e trazia nas mãos algo parecido com um bordão, finamente esculpido e incrustado com as mesmas pedras dos anéis.

A mocinha das orelhas pontudas aprumou-se e pareceu bastante embaraçada, um ligeiro rubor cobrindo o rosto miúdo. O jovem balconista ainda não se refizera da surpresa e olhava para as duas com ar meio confuso. Quem seria aquela bela mulher? E por que a chegada dela transtornara a garota? Ele se sentia atraído e intimidado, e nem sabia por quê. Talvez fosse a opulência do traje da desconhecida. Talvez fosse aquele ar soberano e irônico que ela ostentava nos olhos escuros e no nariz arrebitado.

Mas antes que ele pudesse recobrar a presença de espírito, a mocinha fez uma genuflexão e exclamou:

- Oh, minha Senhora!

A bela estranha se aproximou sorrindo, mostrando belos dentes. A sensação que o jovem balconista teve era que presenciava o esgar de uma fera sanguinária farejando a presa. Talvez porque o brilho frio que emanava dos olhos fizesse o sorriso parecer uma ameaça.

- Olá, Enid... Vejo que arrumou um amiguinho... - a voz soava perigosamente suave e baixa.

- Não, Senhora, eu... - a mocinha, Enid, tentou nervosamente dizer algo, mas foi interrompida.

- E se arrumou um amiguinho certamente já fez o que eu mandei... - a mulher parou de sorrir. "Graças a Deus", pensou o jovem balconista. Aquele sorriso já estava doendo nele também.

- Senhora - Enid agora estava meio chorosa - eu...ainda não, é que...um esquilo apareceu e...a Senhora sabe, os esquilos...

- Então você falhou novamente a meus serviços por causas desse seu ridículo medo de esquilos? - a mulher estreitou os olhos em fúria. O jovem balconista olhava de uma para a outra, confuso e pressentindo um desfecho funesto para a cena.

- Não, Senhora, eu vou já fazer o que me mandou! - a mocinha levantou-se num pulo e saiu correndo pela mata até sumir de vista.

Só então a mulher pareceu considerar a presença do jovem balconista digna de atenção. Apoiou o cetro no chão e a expressão zombeteira tornou a aparecer quando se dirigiu a ele.

- E você, rapazinho? Quem é?

terça-feira, 17 de junho de 2008

Parte V

(Toc toc... )

- Quem é? – disse a avó enquanto pousava o pesado livro por sobre o colo.

- Sou eu, mamãe. A Belinha já dormiu? – pergunta o pai, enquanto entrava no quarto.

- Não, meu filho, ainda estou lendo para ela...

- Lendo para ela, mamãe? Que história a senhora está lendo? Alguma das que eu conheço? Posso ficar aqui também? – perguntou ofegante, enquanto se enfiava por sobre as cobertas, fazendo com que Belinha começasse a resmungar alguma coisa.

- Você disse alguma coisa minha filha?

- Claro que não, papai! – disse a menina, fazendo uma cara angelical.

- Então, anda, mamãe, começa logo a história...

- QUEQUÉISSO papai? – gritou a criança, com as mãos na cintura, já de pé sobre a cama. - Como é que o senhor chega assim NO MEU QUARTO, meio da história QUE A MINHA avó está contanto PRA MIM e já quer ficar dando ordens? Héin? Posso saber!?

- Err... Claro, filhinha... Mamãe, por favor, continue de onde a senhora parou.

- Pois bem. – disse a avó – Não quero mais interrupções, tá bom?

- Quem é você? - perguntou o JB para a mocinha de...

- Peraí, mamãe, o que é “JB”?

- Você quer dizer, “quem” é, não é, meu filho? É o jovem balconista, o personagem da nossa história.

- Como assim “JB”??? – disse o pai em tom indignado. - Belinha, eu já não te disse para parar com esse negócio de siglas, porque isso é feio? E você mamãe?! Eu já não falei para a senhora parar de ficar dando trela para essa garotinha? – o semblante do pai naquele momento não era nada amigável, e ambas, Belinha e sua avó, sentiam que aquele não era o momento para discussões.

- Então, estamos entendidos! Nada mais de siglas! – esbravejou - E você, Belinha, trate de parar com essa sua mania, senão, você vai ficar sem o seu PS2, tá?! – disse em tom de ironia.

- Posso continuar a história? – perguntou a avó, já impaciente com os dois.

- ...
- Bem...

- Q
uem é você? - perguntou o jovem balconista para a mocinha de orelhas pontudas. – O que você veio fazer aqui?

Imediatamente Dedéia percebeu o que estava acontecendo, e, sabendo que seu intento não seria alcançado, desapareceu, deixando somente uma névoa acinzentada que fedia como pum.

- “Nossa Senhora da Ceroula Velha de Liviolândia”. Como fede essa bruxa! Com esse cheiro só pode ser a Dedéia! – disse a menina orelhuda ao ajeitar suas vestes.


- Como assim a “Dedéia”? – balbuciou o jovem balconista, enquanto procurava um lugar para sentar e se refazer do susto.

- É... era a Dedéia, e aquela carruagem vermelha e dourada era da... Bem... Ainda bem que eu cheguei a tempo de te salvar, porque, se aquela bruxa fedidinha consegue aquele beijo, toda a Liviolândia estaria perdida. Seria o fim de nós todos! Nossa, mas como fede!

- Peraí! Me explica direitinho o que está acontecendo aqui, que eu não estou entendendo nada!

- É assim, ó... – disse a garotinha, enquanto pegava uma maçã em seu alforje.

Ela contou para o jovem balconista que tinha visto a soberana de Liviolândia andando pela Floresta de LivinHood procurando umas ervas e resmungando que a bruxa Dedéia jamais a retiraria do trono, e que ela não conseguiria completar o feitiço para afastar a maldição que a baniu daquele reino. O feitiço era simples: quatro asas de um morcego caolho, um espirro de um gafanhoto, um grito de uma girafa, o sorriso de um palhaço triste e, de um beijo de um bravo jovem. A bruxa, depois de colocar tudo aquilo dentro de um caldeirão fervendo, deveria beber o elixir e dar 100 pulinhos no pé esquerdo em uma noite de lua cheia, repetindo:

“Encantado, encantadinho, você fica longe, bem distantezinho
Eu moro mal, mas é limpinho. Me faça voltar, voltar loguinho.
Para acabar com a megera, a do nariz empinadinho“.

Porém, o tempo da bruxa estava se acabando. Se não conseguisse tudo aquilo até a próxima lua cheia, seriam mais cem anos vivendo naquele mundo encantado.

- Mas como você sabe de isso tudo? – perguntou o jovem balconista.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Parte IV

Entre atordoado e intrigado com o repentino pedido, o JB sentiu que ia se aproximando da bruxa apesar de si mesmo. Tudo ao seu redor desaparecia, sons e imagens se misturando em um turbilhão silencioso. Somente conseguia enxergar aqueles profundos olhos que pareciam sugá-lo.

- Creeeedo, vó...
- O que foi agora? - a avó grunhiu docemente.
- Olhos que sugam! Onde já se viu isso??
- Belinha... é uma história. Fantasia. Tudo pode acontecer. - ela resumiu, sem querer entrar nas tão conhecidas "figuras de linguagem". A netinha teria tempo o suficiente para estudar bastante isso nos anos vindouros.
- Simples assim?
- Simples assim. Agora posso continuar?
- Demorou! - disse belinha, toda empolgada.

Com uma paciência que só avós conseguem ter, a narradora suprimiu um breve discurso elucidativo sobre o motivo da demora e seguiu em frente...

O JB continuava naquele transe. Porém, antes que seus lábios tocassem os da bruxa, seus sentidos gritaram mais alto e ele ficou em imediato estado de alerta. Um som não indentificado se aproximava com incrível rapidez, até se tornar completamente audível.

- AAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Por pouco o JB quase não consegue identificar a fonte da gritaria: um vulto passou correndo como ele nunca vira alguém fazer e agilmente subiu em uma grande árvore que havia por perto. Nada mais óbvio, todo o acontecimento aguçou a curiosidade do JB que, infelizmente, teve tempo de somente começar a delinear o vulto com os olhos - os trajes do mesmo se confundiam com a folhagem - quando teve sua atenção desviada novamente.

- *AHEM* - A bruxa, com uma expressão nada contente, chamou sua atenção - Não está esquecendo de nada?

Com um enorme estrondo, os dois foram interrompidos novamente. Ao olhar na direção do barulho, o JB viu, esparramada no chão, uma mocinha de orelhas pontudas e cabelos castanhos desgrenhados. Tudo indicava que ela não só era o vulto, como havia caído da árvore, junto com o galho que havia partido.

- Vocês... ahn... viram um esquilo por aí? - disse ela, com um sorriso nervoso enquanto tentava se recompor.

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Parte III

- Rá! É a bruxa Dedéia! Sei que é ela! – disse Belinha num salto, parando sentada na cama, olhos arregalados de excitação, segurando os dedinhos dos dois pés.

A avó olhou a menina com aquela cara de “nem te ligo”.

- É ela num é, Vó?
- Por que você acha que é ela?
- Vó! Alo-ou! Cabelos vermelhos, farrapos, mulheeeeeeeeerr! Aposto que é a Dedéia!
- Bem... vamos ver...
- E imita a voz dela, Vó!
- Mas a gente nem sabe se ela está viva, menina.
- Vó! Acorda! Ela é I-MOR-TAL!
- Ok... vamos lá!

Depois de uns 10 minutos fitando o “embrulho” ruivo estupefato, o jovem balconista...

- Saco!
- Quê isso menina! Que modos são esses?
- Esse cara num tem nome não? É jovem quanto?
- Belinha, sossega, ta? Senão paro de ler.
- Ok, vó.

... o jovem balconista retirou delicadamente os pés debaixo da mulher. Afastou...

- JB!
- O quê?
- JB, vó! Ao invés de você ler “jovem balconista”, que é um saco, fale JB! Tá?
- Belinha... Posso continuar a ler? – falou a avó cansada e entredentes.
- Ta, vó. JB, ta?

... Afastou os cabelos ruivos do rosto dela temendo reconhecê-la. Era...

- DEDÉIA! RÁ! É A DEDÉIÁÁÁ! É A DEDÉIÁÁÁ! É A DEDÉIÁÁÁ! – cantarolava feliz a menina.

... a Dedéia!

- (suspiro) - a avó olhou para a neta com ares de impaciência.

O JB não sabia o que fazer. Correr? Gritar por socorro? Sair de fininho e fingir que não viu nada? Mas a curiosidade que explodia dentro do jovem foi maior e ele foi verificar se a mulher estava viva. Tocou levemente na macia pele do pescoço dela. Estremeceu ao sentir a pressão rítmica do sangue da bruxa nos dedos. E quando ele pensava em sair de fininho, ela abriu os olhos e disse:

- Beije-me...

segunda-feira, 2 de junho de 2008

Parte II

- Peraí, vó! - Belinha pulou na cama indignada. - Que história é essa de uréia?

"Droga", pensou. "Essa criança não dorme, cáspita!"

- O que tem a uréia, Belinha?
- Como assim, o que tem? Eu nem sei o que é isso, ora!
- Ué, você que escolheu o livro, dona Belinha! Eu bem que queria ler a Cinderela...
- Vó, alo-ou! Eu já sei a história da Cinderela de cor, né? E tem mais, esse negócio de carreira de mulher ser só esfregar o chão ou casar já era! Eu, no lugar da Cinderela, ia fazer faculdade...

- Bom, pelo menos você é esperta. - a avó não pôde deixar de sorrir.
- Claro, né, vó? Eu sou uma mulher moderna...
- Ah, sei, dona mulher moderna... Toma esse lenço aqui e limpa o nariz, ó...
- ...
- Ótimo, agora sim. Mulher moderna de nariz sujo não dá. Mas diz aí, Belinha...quer que eu troque o livro?
- Não, vó, eu quero esse! Mas dá pra fazer umas vozes e falar a minha língua?
- Ok, sua pirralhinha desaforada...vamos lá...

"
Naquela manhã, o dia estava frio e enevoado na província de Liviolândia. E, embora fosse muito cedo, o jovem balconista caminhava em direção à floresta em busca de lenha para abastecer a lareira da estalagem. Trazia um grande saco na mão esquerda e um pequeno machado apoiado no ombro direito e apenas o som de suas botas quebrando gravetos a cada passo rompia o silêncio da mata.

Subitamente, ouviu um tropel de cavalos ao longe, se aproximando pela estrada que passava ali perto, o que não tinha absolutamente nada a ver com a vida dele e com o que ele estava fazendo. Mas a característica mais notável do jovem balconista, depois de sua bela voz com que divertia os hóspedes, era a curiosidade monstruosa que tomava conta dele com bastante freqüência. Como sua mãe costumava dizer, "nem se ele tivesse nascido mulher seria tão curioso assim!". E movido por esta curiosidade é que caminhou na direção da estrada, sem nem perceber direito o que fazia.

O galope dos cavalos era cada vez mais alto, apareceriam a qualquer momento. Amedrontado, o jovem balconista deteve-se atrás de uma árvore - aquela não seria a primeira vez que sua curiosidade o teria metido em encrencas. E foi então que o tropel dos cavalos deixou de ser apenas um barulho: uma carruagem adornada em vermelho e dourado puxada por uma parelha de cavalos brancos aproximava-se em alta velocidade.

O jovem balconista mal teve tempo de se perguntar de quem seria a carruagem. A porta foi aberta e um volume envolto em panos escuros e esfarrapados foi jogado à margem da estrada. O "embrulho" rolou alguns metros entre os arbustos e foi parar aos pés do jovem balconista, que até prendia a respiração de expectativa e sentiu um arrepio gelado na barriga quando avistou a massa de cabelos ruivos aparecendo entre os farrapos. Uma mulher. Estaria morta?
".

domingo, 1 de junho de 2008

"A Lenda de Liviolândia" - parte I

"Era uma vez... Em um lugar muito, muito distante, havia um jovem balconista que, para ganhar algum dinheiro e ajudar seus pais, trabalhava em uma pequena estalagem, servindo beberagens aos viajantes cansados que se deslocavam por aquelas paragens. A estalagem ficava em no topo de uma colina verdejante, rodeada de árvores frondosas e um riacho de águas límpidas que se cruzava por meio uma ponte de pedra que tinha mais de duzentos anos. O estabelecimento era simples, porém muito familiar. Haviam cinco quartos para abrigar os tropeiros e uma cozinha que exalava um delicioso cheiro de ensopado todas as noites. Mesas redondas enchiam o amplo salão e um velho piano descansava no canto direito da sala, próximo ao balcão. O nosso querido balconista, desde seus 14 anos de idade, servia bebidas e, quando algum hóspede mais animado pedia, cantava para alegrar os corações empoeirados das estradas daquele reino.

A província de Liviolândia, local onde se passa a nossa história, ficava na exata distância de duas vezes a metade do caminho para qualquer lugar. Era um reino muito aprazível, com grandes florestas, rios caudalosos e de águas cristalinas e belas montanhas com picos nevados que mais se assemelhavam a montes de glacê, daqueles que seduzem as crianças nas vitrines de padarias. Havia também belas cachoeiras e corredeiras frias por onde nadavam trutas arco-íris e bosques, por onde pintassilgos e rouxinóis se aninhavam por sobre a sombra das laranjeiras em flor.

Porém, naquele lugar havia uma rainha. Uma soberana má que reinava por mais de 250 anos. Diziam que ela era imortal, fruto de um pacto de sangue feito com uma velha feiticeira chamada Dédéia. Dedéia era uma figura daquelas de meter medo em qualquer criança. Tinha um longo chapéu negro de ponta caída, preso à cabeça por uma grande fivela reluzente. Vestia-se com trapos que lhe cobriam boa parte do corpo, deixando à mostra somente seus dedos longos e nodosos e o rosto alvo que era marcado por um grande nariz enverrugado. Os poucos que a viram durante a noite e conseguiram relatar o ocorrido, contam que ela montava um feroz cão branco, ladeada por um gato, negro como a noite. Dizem que, na mata, só se via o brilho amarelo dos olhos do felino, que era contrastado pelo vermelho-sangue que emanava da órbita do cão montaria.

A lenda que os antigos moradores de Liviolândia contavam era de que ambas, a bruxa e a rainha, em uma noite de lua cheia, fizeram um pacto. Após costurarem o nome de seus amantes nos lábios de um batráquio gordo, enterraram alguns pertences daqueles em um jarro de barro e plantaram no lugar uma pimenteira e um pé de romã que foram regados, após repetirem algumas palavras ininteligíveis que se imagina extraídas de algum ritual celta de magia negra, com uréia. A partir de então nunca mais se soube da bruxa. Talvez por que tenha sido banida pela governante do lugar para um vilarejo próximo ao mar, para habitar alguma caverna, ou talvez, tenha se exilado por não poder suportar ver tamanhas atrocidades praticadas por aquela governante contra seu povo..."