segunda-feira, 23 de junho de 2008

Parte VI

A mocinha, que até então vinha tagarelando distraidamente, se deu conta de que falara um pouco demais. Fez cara de desentendida:

- Hein?

O jovem balconista, que podia não ser lá essas coisas em termos de bravura, mas era um verdadeiro mestre na arte de farejar fofocas e segredos, cruzou os braços e fez cara de poucos amigos:

- Você ouviu muito bem: eu perguntei como você sabe disso tudo. Por acaso você está mancomunada com a bruxa?

A mocinha das orelhas pontudas não conteve uma risadinha de escárnio.

- Eeeeu? E eu lá tenho cara de quem anda com bruxa fedida, meu filho?

- Pra mim você tem cara de qualquer coisa e de coisa nenhuma. Pode ir falando!

Ela abriu a boca para responder, mas não saiu nada. Os olhos se arregalaram um pouquinho e pareceu bastante assustada, enquanto olhava para além de onde o jovem balconista estava parado, cobrando respostas.

- O que foi? O gato comeu a sua língua? Que foi que...? - o jovem balconista virou-se, seguindo o olhar da garota e também acabou se calando, surpreso.

Parada a alguns metros de distância deles, uma mulher de olhar zombeteiro observava a conversa. Ela usava um longo vestido cor de carmim, adornado de dourado. Os cabelos, muito escuros, estavam presos no alto da cabeça, caindo numa cascata de cachos escuros até os ombros. Os dedos estavam cobertos de anéis de ouro, adornado com grandes pedras rubras e trazia nas mãos algo parecido com um bordão, finamente esculpido e incrustado com as mesmas pedras dos anéis.

A mocinha das orelhas pontudas aprumou-se e pareceu bastante embaraçada, um ligeiro rubor cobrindo o rosto miúdo. O jovem balconista ainda não se refizera da surpresa e olhava para as duas com ar meio confuso. Quem seria aquela bela mulher? E por que a chegada dela transtornara a garota? Ele se sentia atraído e intimidado, e nem sabia por quê. Talvez fosse a opulência do traje da desconhecida. Talvez fosse aquele ar soberano e irônico que ela ostentava nos olhos escuros e no nariz arrebitado.

Mas antes que ele pudesse recobrar a presença de espírito, a mocinha fez uma genuflexão e exclamou:

- Oh, minha Senhora!

A bela estranha se aproximou sorrindo, mostrando belos dentes. A sensação que o jovem balconista teve era que presenciava o esgar de uma fera sanguinária farejando a presa. Talvez porque o brilho frio que emanava dos olhos fizesse o sorriso parecer uma ameaça.

- Olá, Enid... Vejo que arrumou um amiguinho... - a voz soava perigosamente suave e baixa.

- Não, Senhora, eu... - a mocinha, Enid, tentou nervosamente dizer algo, mas foi interrompida.

- E se arrumou um amiguinho certamente já fez o que eu mandei... - a mulher parou de sorrir. "Graças a Deus", pensou o jovem balconista. Aquele sorriso já estava doendo nele também.

- Senhora - Enid agora estava meio chorosa - eu...ainda não, é que...um esquilo apareceu e...a Senhora sabe, os esquilos...

- Então você falhou novamente a meus serviços por causas desse seu ridículo medo de esquilos? - a mulher estreitou os olhos em fúria. O jovem balconista olhava de uma para a outra, confuso e pressentindo um desfecho funesto para a cena.

- Não, Senhora, eu vou já fazer o que me mandou! - a mocinha levantou-se num pulo e saiu correndo pela mata até sumir de vista.

Só então a mulher pareceu considerar a presença do jovem balconista digna de atenção. Apoiou o cetro no chão e a expressão zombeteira tornou a aparecer quando se dirigiu a ele.

- E você, rapazinho? Quem é?

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